Texto entrevista OGlobo
BRASÍLIA — Para o candidato a presidente da Câmara dos Deputados Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo federal age “de forma ostensiva” contra sua candidatura, oferecendo cargos e emendas e efetuando retaliações a seus apoiadores. O presidente Jair Bolsonaro apoia Arthur Lira (PP-AL), adversário de Rossi.
Evitando se posicionar sobre a abertura de um processo de impeachment, como pede a oposição, Baleia Rossi diz que irá analisar os casos individualmente se for eleito e que não quer antecipar juízo de valor sobre a atuação de Jair Bolsonaro à frente da pandemia.
Leia abaixo entrevista ao GLOBO.
O senhor fala sobre independência, mas o MDB é alinhado ao governo, e os parlamentares têm indicações de cargos. Como se exerce essa independência?
Na convenção do MDB, em que fui eleito presidente nacional, decidimos pela independência do partido. Com os compromissos pela pauta de desenvolvimento econômico, de votar aquilo que é importante para o Brasil, mas com a clareza de que o MDB não participaria do governo. Compromisso com a pauta, mas não em participar do governo.
Mas se os deputados fazem indicações e os líderes do governo no Senado e Congresso são do MDB, qual a diferença para outros partidos da base?
A escolha dos dois líderes do Senado foi uma escolha do presidente, não foi uma indicação do partido. É importante que isso fique claro. Nós mostramos nossa posição de independência em vários momentos. Quando cometeram exageros, quando grupos radicais pediram o fechamento do Congresso Nacional, nós tivemos uma posição muito clara de defesa da democracia.
Eu, como presidente nacional do partido, me posicionei de maneira muito objetiva repudiando qualquer ato antidemocrático. Da mesma forma, quando o Supremo foi atacado, quando as instituições brasileiras foram atacadas, o MDB, na minha pessoa, se posicionou de maneira clara a favor das instituições, defendendo as instituições que são fundamentais para garantir a nossa democracia. Então tivemos diversos posicionamentos claros de independência.
Como sua candidatura se posiciona sobre o governo federal?
Minha candidatura não é de oposição. É uma candidatura que representa uma frente ampla de partidos, de esquerda, centro e direita, que têm como princípio a defesa da democracia e da independência da Câmara. Independência com harmonia e diálogo entre Poderes, mas em cima de um projeto de país, que é o que está faltando nesse momento. Um projeto para superar a pandemia, para que a economia possa reagir, para gerar emprego e renda.
O fato de muitos deputados estarem declarando voto em Arthur Lira contra a orientação de seus partidos não mostra uma fraqueza da sua campanha?
Meu adversário aposta muito nessa palavra “traição”. Eu aposto na confiança na palavra dos parlamentares. O governo infelizmente está tentando interferir no processo de eleição da Câmara dos Deputados. Está coagindo e perseguindo deputados de forma ostensiva, não só com cargos, mas com emendas extraorçamentárias, o que não é bom para o Parlamento.
O Parlamento se apequena quando tem esse tipo de discussão. Portanto, eu tenho plena convicção da nossa vitória. Não acho que os deputados devam se expor para destruir partidos políticos, para destruir lideranças na Câmara, para destruir unidade partidária.
Enquanto meu adversário aposta na traição, eu tenho confiança que todos os parlamentares vão saber que independência da Câmara é uma garantia de que todos terão participação no diálogo, em uma agenda de Brasil. Que cada uma das propostas vão ser amplamente debatidas. A Câmara de joelhos, a Câmara submissa, perde muito do seu valor, e o parlamentar perde também a importância de poder contribuir com essa agenda de país.
Há casos específicos de oferta de cargos em troca de apoio?
Tem vários cargos que foram oferecidos e vários cargos que foram retirados de deputados que são de partidos que nos apoiaram. O deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), ao declarar seu apoio à nossa candidatura, sofreu uma retaliação sem nenhum sentido (indicados seus foram exonerados, como mostrou o GLOBO). Nós precisamos fazer um compromisso com o país por agenda, não por fisiologismo.
O Procurador-Geral da República Augusto Aras disse que é responsabilidade do Congresso apurar crimes cometidos por autoridades na pandemia. O que o senhor propõe para apurar se o governo e o Ministério da Saúde cometeram irregularidades ou eventualmente crimes de responsabilidade?
Eu tenho repetido inúmeras vezes que o impedimento de um presidente da República não pode ser uma bandeira de nenhuma candidatura à presidência da Câmara dos Deputados. Mas nós fizemos o compromisso constitucional de analisar cada um dos casos. Não vou fazer nenhum juízo de valor sobre nenhum caso porque a eleição é dia 1º de fevereiro. Mas nós vamos analisar todos os pedidos de acordo com o que está na nossa Constituição.
O presidente da Câmara Rodrigo Maia disse que Bolsonaro poderia enfrentar um processo de impeachment por conta da demora da vacina. O senhor concorda?
O presidente Rodrigo Maia é o presidente da Câmara dos Deputados hoje. Tem um papel importante para o nosso país. Tem a opinião dele. Eu sou presidente nacional do MDB, sou líder da bancada e acho que não tenho, hoje, nenhuma condição de fazer nenhum juízo de valor.
Essa questão tem gerado confusão com parlamentares de oposição, que interpretaram, na carta entregue ao senhor, uma garantia de que os pedidos de impeachment não serão engavetados. Qual compromisso foi assumido de fato pelo senhor?
Nosso compromisso é muito claro. É respeitar a Constituição e, como presidente da Câmara, analisar todos os pedidos que forem feitos.
O deputado Arthur Lira disse que você rompeu com o compromisso ao dizer que “o impeachment não é bandeira”. Existe um argumento de que você teria se comprometido em pautar o impeachment e agora está voltando atrás.
O candidato Arthur Lira mente. A minha resposta (na reportagem publicada por Lira) foi exatamente o que eu respondi a você, de que não é bandeira mas nós vamos, dentro da Constituição, analisar cada um dos pedidos.
Seus adversários acusam seu bloco de defender a votação remota para manipular os resultados. Faz sentido esse argumento?
Isso é uma síndrome de Donald Trump. Um absurdo essa afirmativa. Não há nenhum embasamento para isso. Nós votamos PECs extremamente importantes no sistema remoto. Votamos inclusive a substituição de membros da Mesa Diretora no sistema remoto. Em nenhum momento eu defendi o sistema remoto para ser padrão, o que existe é um pedido de que aqueles deputados que estão no grupo de risco e estão preocupados com a questão da saúde possam ter a oportunidade de participar. Essa não é uma defesa da minha candidatura.
É possível prorrogar o auxílio emergencial já no início dos trabalhos do Legislativo?
Eu digo desde o lançamento da minha candidatura que a pauta social, nesse momento em que a pandemia ainda assusta, deixa uma angústia na população e faz sofrer os mais vulneráveis. Eu entendo que o governo federal deve ter um olhar especial para que reforce o Bolsa Família ou estenda o auxílio emergencial até a gente ter uma vacinação em massa.
Cabe flexibilizar o teto de gastos para bancar a prorrogação do auxílio?
Entendo que esse é um debate que vai ser feito. Nós temos uma frente ampla de partidos que pensam de forma diferente. Nós temos o bloco da esquerda que entende que esse debate deve ser feito. Eu, particularmente, entendo que nós temos que manter as contas ajustadas e entendo que cabe ao Ministério da Economia administrar suas despesas para priorizar a área social.
Então o melhor é flexibilizar ou não?
O teto dá credibilidade à nossa economia, ao ajuste fiscal. Eu entendo que o Ministério da Economia deve fazer todos os esforços para buscar dentro do teto um financiamento para a área social, principalmente para atender os vulneráveis nos próximos meses de pandemia.
Qual sua opinião sobre a criação de um tributo sobre transações financeiras, a nova CPMF defendida pelo governo?
Sou contra. Acho que não dá para passar para a sociedade mais esse custo. Nós já temos uma carga tributária muito grande para o país e a CPMF é simplesmente um aumento da carga tributária. Não é justo passar essa conta para a sociedade. Nós temos a reforma tributária, a PEC 45 de minha autoria, que já foi amplamente discutida nos últimos dois anos, inclusive com estudos completos do impacto positivo que terá no crescimento do país. Nós precisamos votar ainda no primeiro trimestre desse ano a reforma tributária para que o país volte a crescer.
Seu irmão é réu sob a acusação de ter recebido R$ 1 milhão em caixa dois. A empresa dele foi citada na delação de Duda Mendonça, homologada pelo Supremo. Como o senhor responde a isso?
Esse é um caso que está na Justiça. É importante ressaltar que existem 77 delatores da Odebrecht e nenhuma das delações sequer citam meu nome, porque eu não conheço absolutamente ninguém dessa empresa. Em 2014, eu era deputado estadual por São Paulo. Meu irmão já está se defendendo na Justiça, que é o local correto para esse esclarecimento.
Dentro da pauta de costumes, o governo Bolsonaro pretende votar o PL ampliando o porte de armas. Há outras questões como Escola sem Partido. Qual a prioridade desses projetos caso o senhor assuma a presidência da Câmara?
Essas pautas dividem a sociedade. Dividem o Parlamento e não são prioridades nesse momento de enfrentamento da pandemia, de retomada do desenvolvimento. Na questão das armas, nós já tivemos avanços importantes. Votamos o projeto que permitiu a utilização de armas no campo, atendendo a bancada do agronegócio. Nós votamos a nova lei dos CACs. Não acredito que disponibilizar armas no meio urbano seja razoável. É algo que não contribui em nada com o debate que nós queremos fazer para o país.
Nessa semana, seu bloco teve um revés grande ao perder o PSL, a maior bancada da Câmara. Qual a explicação?
Nós temos deputados que estão absolutamente vinculados ao Palácio do Planalto, que estão com o candidato do Bolsonaro, que é o Arthur Lira. Isso já era absolutamente esperado. Eu vou continuar conversando com cada um dos deputados do PSL para convencê-los de que o melhor caminho é a frente ampla. É o caminho que vai significar a independência da Câmara e o fortalecimento do mandato de cada parlamentar. Esse é nosso foco.